WANETE CARVALHO: DOIS ANOS SEM O TREM DO SUBÚRBIO

Como um choro compulsivo ou um lamento, no dia 13 de fevereiro de 2021, às 19:30 o trem do subúrbio ferroviário seguiu apitando sem parar em sua última viagem com destino à morte. É o fim de 160 anos de serviços prestados e histórias inesquecíveis.

Não sou contra o progresso, seria uma irracionalidade, porém, um povo que não preserva a sua história está fadado a ignorância eterna.

Durante muitos anos vi meu pai chegar do trabalho pontualmente às 18:15, juntinho com o apito do trem. O tac tac tac dos torniquetes da estação precedido do apito do chefe do trem e em seguida o apito da locomotiva, era a senha para a sua chegada. Praticamente todas as casas do bairro presenciaram a este ritual.

Ainda guardo em minha memória muitos rostos conhecidos que desciam das classes e caminhavam pelas ruas  direção aos seus lares onde eram recepcionados pelo cheiro bom de café. Muitos destes já se encontram na pátria espiritual, outros tenho a certeza que choram comigo o triste fim daquele que deu o nome a nossa comunidade e sempre nos encheu de orgulho.

Sempre repito que vivi longos e bons momentos no meu amado subúrbio ferroviário. Os shows do clube Periperi, a batalha do mela mela no clube Flamenguinho, os babas da praia ou da rua da leste, as caixas do cais, pegar água em mané Paulo em rola rola, passar no óleo, correr de Xerife, sete vidas e Mussulano, passear e comer pipoca na praça da revolução, assistir filme no cinema de Gilberto, dentre outras aventuras mais que só quem viveu esses momentos entenderá o meu saudosismo.

Escrevo com os olhos embassados, não poderia ser diferente, pois, sei que o nosso trem sempre foi o centro de tudo que acontecia no subúrbio e fará uma falta incalculável.

Adeus meu velho e querido companheiro. Você que também contribuiu para a minha formação, levando-me para a escola, que me fez sonhar e acreditar que eu poderia ser mais, mantendo o meu foco e mimado pelo balanço de seu caminhar de estação à estação. A você todo o meu agradecimento. Peço também desculpas pela insensibilidade de alguns que não conseguem entender que o trem além de fazer parte da nossa identidade cultural, é um transporte eficiente, não poluente e funciona bem nos países de primeiro mundo. Investem em sua preservação, investem nova tecnologia para que ele continue servindo bem e barato.

Vimos no passado acabarem com as ferrovias que ligavam Salvador ao interior do Estado. Erraram feio! O lobby do transporte por ônibus, vendendo a falsa idéia de modernidade e progresso deu no que deu e hoje, como era esperado, todo este sistema está falido e é ineficiente.

A história se repete, minha gente! Voltamos aos erros do passado e compraremos gatos por lebre e no futuro só nos restará a saudade e o arrependimento.

Que Deus tenha piedade de nosso povo. Que sejamos capazes de ampliarmos as nossas consciências e olharmos para frente, preservando a história de um povo.

Viva o ex Subúrbio ferroviário!