Glúten: vilão ou mocinho da saúde?
Preocupada com o físico, a famosa geração fitness vem promovendo mudanças nos hábitos alimentares. E nesse movimento de se manter saudável com dietas de perda de peso, muita gente tem abolido o glúten – uma proteína natural presente em cereais como trigo, aveia e centeio.
Mas um estudo da Universidade de Harvard, divulgado pela Associação Americana do Coração na semana passada, concluiu que o baixo consumo do componente pode aumentar os riscos de desenvolvimento do diabetes tipo 2. Aí resta a pergunta: afinal, o glúten é vilão ou mocinho da saúde?
O que se sabe até agora é que algumas raras pessoas são portadoras de doença celíaca e têm intolerância à essa proteína. Por causa disso, elas sofrem problemas como diarreia, dores abdominais e inchaço. Quem possui essa doença não consegue digerir o glúten. Como a molécula fica intacta no intestino, o organismo entende como um corpo estranho e começa a atacar, causando desordens intestinais que podem culminar, inclusive, em anemia.
De acordo com Márcia Regina da Silva, professora do Departamento de Ciência de Alimentos da Escola de Nutrição da Universidade Federal da Bahia (Ufba), das 2 mil calorias recomendadas na alimentação diária, cerca de 55% (1.100cal) devem ser provenientes de carboidratos, sendo que boa parte deles costuma conter glúten. É o caso de comidas como pães, biscoitos, bolos, pizzas e outros. Os 45% restantes devem vir do consumo de gordura (30%) e proteína (15%). “Se você restringe os carboidratos, que são nossa principal fonte energética, pode sim vir a emagrecer. Mas, em contrapartida, será necessário usar energia de proteína e gordura, causando desequilíbrio orgânico”, explica a nutricionista.
Longo prazo
Por causa de um quadro preocupante de obesidade aliado à intolerância ao glúten, a comerciante Neide Santiago, 49 anos, está há pelo menos dois anos sem consumir alimentos contendo essa proteína por recomendação de sua endocrinologista. “Eu vivia fazendo dieta e não conseguia perder peso. Quando eu bebia cerveja, me sentia mal, não tinha diarreia, mas adoecia. A partir daí fiz exames e tive que tirar pão, arroz, macarrão, biscoito, quase tudo que tinha farinha de trigo. Hoje, não sinto falta”, conta ela, que perdeu dez quilos na dieta.
Apesar disso, a própria associação americana ressalta que não há evidências de que a redução do consumo desse ingrediente proporcione benefícios para a saúde a longo prazo. Também no estudo de Harvard, feito com cerca de 200 mil pessoas em nove anos, descobriu-se que a maioria dos participantes ingeria uma quantidade de glúten abaixo de 12 gramas/dia. Dentro dessa faixa, os que comeram mais glúten tiveram menor risco de desenvolver diabetes do tipo 2 nos 30 anos seguintes. Na pesquisa, notou-se ainda que os voluntários que comeram menos glúten ingeriram também menos fibras de cereais, um fator conhecido para o desenvolvimento da doença.
Enquanto isso, os indivíduos com os 20% mais altos de consumo de glúten apresentaram um risco 13% menor de desenvolver diabetes em relação ao grupo que fez menor consumo diário de glúten (menos de 4g). Durante o acompanhamento, foram confirmados quase 16 mil casos de diabetes tipo 2. Para o pesquisador Geng Zong, que esteve à frente do estudo, “as pessoas sem doença celíaca podem reconsiderar a limitação da ingestão de glúten para a prevenção de doenças crônicas”, recomendou ele.