Baianos ganham na Justiça direito de receber ‘pílula do câncer’ em fase de testes
Dois pacientes baianos ganharam na Justiça o direito para receber a ‘pílula do câncer’ – droga ainda em fase de teste para tratamento contra a doença, produzida no campus da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos. Segundo o advogado Joviniano Dourado, responsável pelo processo, a busca por liminares vem crescendo na Bahia.
Morador da cidade de Irecê, um paciente, que não teve o nome divulgado, de 45 anos, lutava contra um câncer de intestino em estágio avançado. O paciente, que morreu antes durante o uso da substância, havia abandonado os tratamentos convencionais por conta da metástase – disseminação do câncer para outros órgãos – e decidido apelar para a fosfoetanolamina sintética, que ainda é alvo de discussões.
“Infelizmente, no momento, não existe outra via para conseguir a fosfoetanolamina sintética, a não ser por decisão judicial. Ela não está a venda e tampouco pode ser distribuída sem liminar. A própria USP encaminha as cápsulas para residência do paciente”, explica o advogado.
Segundo o advogado, foi necessário buscar mecanismos legais para tentar garantir a melhoria da qualidade de vida do paciente, ou até mesmo a possibilidade de cura, baseado em depoimentos e relatos de pessoas que fizeram e fazem o uso da substância.
O paciente de Irecê não foi o único a ser beneficiado pela decisão. Essa é o segundo caso no estado, também na região de Irecê, e tem servido como esperança para outros baianos. Apesar de muitos soteropolitanos terem dado entrada no pedido, a maioria dos processos solicitados ao defensor vem de cidades do interior.
“É como uma prevenção. Algumas pessoas estão se dando bem com os tratamentos convencionais, mas querem tentar uma outra alternativa. A indústria do câncer movimenta hoje cerca de U$2 bilhões em todo o mundo. Tem paciente que faz uso de um medicamento com 28 comprimidos que custa R$22 mil”, comenta.
Segundo o advogado, tudo corre na Justiça Federal e dura, em média, três dias para se ter uma resposta. “É um processo rápido e não tem desgaste emocional nenhum para o paciente ou familiares. Vai muito do entendimento do juiz”, explica Joviniano.
Governo testa substância
O uso da droga divide opiniões e a substância ainda não tem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ela é tratada como a cura para diversos tipos de câncer, no entanto, não foi oficialmente testada em seres humanos, por isso não é considerada um remédio. Os pesquisadores envolvidos no projeto alegavam que a fosfoetanolamina não havia sido testada clinicamente por uma questão de má vontade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Em novembro do ano passado, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) anunciou que destinaria R$ 10 milhões para pesquisas com a fosfoetanolamina. Do total, R$ 2 milhões foram incluídos ainda no orçamento de 2015 e os outros R$ 8 milhões nos anos de 2016 e 2017.
A substância vem sendo distribuída pela Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (IQSC-USP). Os estudos da eficácia da fosfoetanolamina serão conduzidos por laboratórios parceiros do MCTI, além do Instituto Butantan e de institutos ligados ao Ministério da Saúde.
O Ministério da Saúde recomenda às pessoas que não usem a substância até que os estudos sejam concluídos. O órgão afirma ainda que os relatos de cura entre pacientes que recorreram à substância não comprova a eficácia dela contra o câncer.
Polêmica e relatos de cura
A fosfoetanolamina sintética foi estudada pelo professor Gilberto Orivaldo Chierice, hoje aposentado, enquanto ele ainda era ligado ao Grupo de Química Analítica e Tecnologia de Polímeros da USP.
Algumas pessoas tiveram acesso às cápsulas contendo a substância, produzidas pelo professor, que usaram como medicamento contra o câncer. O instituto disse, em nota, que a produção da droga foi um “ato oriundo de decisão pessoal” de Chierice. Em junho de 2014, a USP reforçou a proibição de produção de qualquer tipo de substância que não tenha registro, caso da fosfoetanolamina sintética.
Desde então, pacientes que tinham conhecimento das pesquisas passaram a recorrer à Justiça para ter acesso à fosfoetanolamina. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) já havia impedido que uma paciente tivesse acesso ao produto.
Diante do posicionamento do tribunal, a advogada Cárita Almeida – que representa mais de 1,5 mil liminares com o pedido de acesso à substância – apresentou um recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF) que foi analisado pelo ministro Edson Fachin. No dia 8 de outubro do ano passado, ele suspendeu a determinação do TJSP, liberando o acesso de pacientes às cápsulas.
Mil voluntários
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, anunciou no início do mês que o Laboratório PDT Pharma, de Cravinhos, será o responsável pela sintetização da substância fosfoetanolamina para testes no tratamento do câncer. A substância será analisada no tratamento da doença em até mil voluntários.
Depois de produzido, o medicamento será encapsulado pelo laboratório farmacêutico oficial do governo do estado de São Paulo (Furp) e, em seguida, será iniciada a fase de testes em pacientes. Segundo o governador, haverá investimento de cerca de R$ 5 milhões na pesquisa.